Hoje podia dizer “Amo-te”, mas não sei o que se passa
contigo. Sempre o disse e parecias gostar.
Mesmo sem ter noção do seu significado, foi por ti
que o disse pela primeira vez, lembras-te?
Se a memória não me falhasse, saberia precisar o ano,
mas em datas sempre foste melhor que eu.
Éramos jovens, e nessa altura usavas cabelo comprido
com uma trança que te caía pelo ombro.
A tua pele clara sempre te deu um ar delicado, e
talvez por isso sempre tenhas parecido mais frágil do que realmente eras. Cada
vez que passeava contigo, abraçava-te de forma contida. Os tempos eram outros,
e o gesto de proteção fazia-me sentir grande. Nunca te disse, mas bastava
ver-te ao longe, sempre que esperava no banco do jardim, para o meu corpo
tremer. Sentia um calafrio no estômago que rapidamente subia pela coluna, e
este era apenas um dos efeitos que provocavas em mim. Sempre tiveste esse dom,
e as sensações contigo eram absolutas, sinceras e completas. Éramos jovens,
felizes, e com um mundo inteiro à nossa frente.
Quando casámos sabia que seria para sempre. Para o
bem e para o mal, na saúde e na doença todos os dias da nossa vida. Tivemos 2
filhos maravilhosos e uma reorganização familiar que contou ainda com 3
mudanças de casa. Assumi na maioria das vezes um papel na retaguarda, porque
com o decorrer dos anos ias ganhando terreno. Sempre foste melhor nisso que eu.
Cortaste a trança. Os filhos cresceram, o tempo foi
passando, e nós fomo-nos amando conforme podíamos. Nunca fomos de viajar muito,
nem de grandes devaneios e também tivemos as nossas dificuldades. As marcas do
tempo vieram e os corpos transformaram-se. A tua pele clara sempre te deu um ar
delicado e hoje, quando estávamos sentados no banco do jardim desejei que o
tempo parasse. As tuas mãos tremem como outrora eu tremia, e mesmo que os teus
olhos já não sejam capazes de me reconhecer, sei que o coração fá-lo em
milésimas de segundo.
Na verdade só te disse uma vez “Amo-te”, mas foi com
a intensidade e resistência suficientes para todo o sempre. O AMOR, esse está
em todas as coisas, na alegria de aceitar e na partilha dos desígnios que nem
sempre a nós pertence.
Hoje podia dizer “Amo-te” e vou fazê-lo porque é
verdade.

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