segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A preguiça do amor


Acordei com o teu telemóvel a tocar. Sete da manhã: eu, tu e uma vontade enorme de ficar ali, aninhada, nos teus braços. Precisamos de tão pouco para ser felizes. Cama, comida e roupa lavada - redutor para uns, felicidade usurpada para outros. Talvez, por influências lagóias, tenha a preguiça como pecado-capital; segue-se (sem dúvida) a gula. Dizia meu avô que “quem não é para comer, não é para trabalhar”, adágio antigo mas sempre atual. Tenho saudades do meu avô. Tenho saudades da minha avó e das fatias douradas que fazia, que acompanhadas com café, faziam por si a delícia e o conforto dos dias de chuva.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O'Porto


- Posso comprar uma bicicleta?

- Outra bicicleta? Não comeces.

- Primeiro ouve… não é uma bicicleta qualquer. É uma “Bobbin”: Tem o estilo, o charme e romantismo das bicicletas clássicas inglesas. São lindas e vendem-se no Porto … no nosso Porto.
Amo-te logo ali e continuas a falar; ouço.
Engraçado como, até ao momento que encontramos a tão almejada cara-metade, não reparamos o quão essencial é o todo, o valor das vivências, nas nossas vidas. As Histórias e a capacidade de as colocar em todas as coisas.
Alvitro qualquer coisa - que já não me lembro - para te ouvir arrazoar mais um bocadinho.
O nosso amor tem bicicletas, sapatos, noites mal dormidas, sandes feitas à pressa e roupa por passar.
Juro que te amo e “vendem-se no Porto”; e assim sei que há muita felicidade para lá da tal bicicleta.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Um sorriso teu


Hoje regressei ao passado e por lá andei meia hora.
Estavas a beber café e a ler o jornal na esplanada do café de sempre. Vestias as calças de sarja cremes e a camisa azul de xadrez, que eu tanto gostava, e que anos mais tarde acabei por estragar. Era domingo e, como habitual, estavas à minha espera para irmos à missa. O melhor de ir ter contigo, mesmo à pressa e chegando na maioria das vezes atrasada, era o teu sorriso. Não havia aflição alguma que o fizesse desaparecer e isso dava-me calma.
É no passado que me fortaleço para o futuro.
É no presente que te guardo para sempre no passado.
Hoje o dia precisou de um sorriso teu. 

terça-feira, 20 de maio de 2014

Madalena


Ajeita o cabelo, passa o rímel, e num simples reflexo do espelho foca-se no próprio olhar, e pensa se será mesmo tudo isto que quer. Em miúda, sonhava com o padrão familiar em que crescera. Jovem mãe de sonhos esquecidos, com uma vida inteiramente dedicada ao marido e aos filhos. Esboça um sorriso e retoca o batom. No quarto, o cheiro a suor sobrepõe-se ao ciclo vicioso em que entrara. Requintada e de caros costumes, a natureza fez-lhe o favor da beleza e ela agradece-lhe com prazer.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Francisco e Maria


Hoje podia dizer “Amo-te”, mas não sei o que se passa contigo. Sempre o disse e parecias gostar.
Mesmo sem ter noção do seu significado, foi por ti que o disse pela primeira vez, lembras-te?
Se a memória não me falhasse, saberia precisar o ano, mas em datas sempre foste melhor que eu.
Éramos jovens, e nessa altura usavas cabelo comprido com uma trança que te caía pelo ombro.
A tua pele clara sempre te deu um ar delicado, e talvez por isso sempre tenhas parecido mais frágil do que realmente eras. Cada vez que passeava contigo, abraçava-te de forma contida. Os tempos eram outros, e o gesto de proteção fazia-me sentir grande. Nunca te disse, mas bastava ver-te ao longe, sempre que esperava no banco do jardim, para o meu corpo tremer. Sentia um calafrio no estômago que rapidamente subia pela coluna, e este era apenas um dos efeitos que provocavas em mim. Sempre tiveste esse dom, e as sensações contigo eram absolutas, sinceras e completas. Éramos jovens, felizes, e com um mundo inteiro à nossa frente.
Quando casámos sabia que seria para sempre. Para o bem e para o mal, na saúde e na doença todos os dias da nossa vida. Tivemos 2 filhos maravilhosos e uma reorganização familiar que contou ainda com 3 mudanças de casa. Assumi na maioria das vezes um papel na retaguarda, porque com o decorrer dos anos ias ganhando terreno. Sempre foste melhor nisso que eu.
Cortaste a trança. Os filhos cresceram, o tempo foi passando, e nós fomo-nos amando conforme podíamos. Nunca fomos de viajar muito, nem de grandes devaneios e também tivemos as nossas dificuldades. As marcas do tempo vieram e os corpos transformaram-se. A tua pele clara sempre te deu um ar delicado e hoje, quando estávamos sentados no banco do jardim desejei que o tempo parasse. As tuas mãos tremem como outrora eu tremia, e mesmo que os teus olhos já não sejam capazes de me reconhecer, sei que o coração fá-lo em milésimas de segundo.
Na verdade só te disse uma vez “Amo-te”, mas foi com a intensidade e resistência suficientes para todo o sempre. O AMOR, esse está em todas as coisas, na alegria de aceitar e na partilha dos desígnios que nem sempre a nós pertence.
Hoje podia dizer “Amo-te” e vou fazê-lo porque é verdade.




sexta-feira, 9 de maio de 2014

Ciclos de Vida(s)


Um dia gostava de entender a vida.
Tenho os olhos inchados e sinto-me a asfixiar. Estou cansado e é sem forças que me despeço de ti. Dizem que é para sempre mas nós sabemos que não é verdade. Sou pedaço vivo de ti e hoje ganho essa responsabilidade. As lágrimas continuam a cair e sinto-me desfalecer. Não as detenho, e só não desfaleço, porque ainda não acredito.
Nasci a gostar de ti.
Entre tudo o que me ensinaste relembro o aconchego do teu abraço e o poder curativo do teu beijo. Sempre me fizeste sentir especial e não era por simpatia. A partir de agora o meu papel será outro, onde já não estarás para me ensinar. Terei de aprender a transformar a dor em saudade sozinho.
Um dia, gostava de entender o ciclo porque somos regidos e o porquê de às vezes ele girar em sentido contrário.

 


quinta-feira, 8 de maio de 2014

O monólogo de Maria Teresa

 
Não há volta a dar, agora já está. Porra, porra, mil vezes porra! Não consigo. Levaram uma vida inteira a dizer-me que a felicidade dependia de mim, que tinha de me valorizar, que tinha de sair debaixo das saias da mãe. Estou farta de ser a menina perfeita. Ou melhor, de fazer de menina perfeita. Não sou, nem quero ser. Pronto! A partir de hoje vão conhecer a verdadeira Maria Teresa. E quando ele me vier com aquela conversa fiada que agora não é a altura certa, vou dar-lhe para trás. Mas pensa que sou burra? É, é isso, a burrinha apaixonada que não vai dar o desgosto à maninha. À maninha, ao pai, à mãe e à família perfeita. São todos perfeitos, tão perfeitos que o meu pai andou enrolado anos com a empregada lá de casa, e aquele filho enviado à pressa para a casa da prima em Trás-os-Montes, que sempre achei um mistério. Mas não se pode dizer, não se pode perguntar. Temos de viver felizes, mesmo sem o ser. Mas isso não importa, porque os vizinhos não sabem. Porque se soubessem, ai se soubessem. O nosso apelido em vez de “Souza Coutinho” devia ser “Socialmente Correto”. Mãe, qualquer dia digo-te o quão ridícula ficas nesse papel. O quão ridículo são todos. Eu não, esse filme já não é o meu, e quero lá saber o que vão dizer e pensar esses vossos amigos da sociedade da treta. Hoje vou marcar a mudança. As mudanças radicais têm de ser registadas, assim do tipo carta registada, só que sem aviso de recepção. Porra, porra, mil vezes porra! Está quase a nossa vez. A sorte é que ele vem comigo. Reparei que é giro e esta respiração no meu ouvido está a pôr-me louca. Se chegarmos lá abaixo vivos, talvez ganhe coragem para o convidar para um café. Talvez ganhe? Maria Teresa, lá estás tu armada em burrinha socialmente correta. Quando chegarmos lá abaixo convido-o para um café. Para já deixa-me aproveitar o facto de ter o seu corpo preso ao meu. Não há volta a dar, agora já está!
 
 


quarta-feira, 7 de maio de 2014

Um dia sonhei contigo


Antes de te conhecer já tinha sonhado casar contigo.
Sem precisar dia, ano ou lugar, aconteceu e, talvez não tenha sido apenas comigo mas com todas as meninas que brincam e sonham, que sonham e brincam, e de cada vez que o fazem inventam desejos, semeiam vontades e fazem-se gente para a vida, através das brincadeiras do faz de conta.
Cedo desejei casar contigo.
Não te conhecia, nem tampouco me conhecia e já havia tido tamanho desejo. Viver para a concretização dos sonhos é inerente à vida, assim como o respirar e o bater do coração. O meu coração, como qualquer coração bate; ao teu lado palpita e sabe a amor.
Sabe a gelado de limão numa tarde quente à beira-mar.
Sabe ao riso das crianças a brincar ao esconde.
Sabe à toalha quente que envolve o corpo à saída do banho.
Sabe a uma cama feita de lavado numa noite amena qualquer.
Cedo desejei casar contigo, ter filhos e um lar, numa casa cuja dimensão represente mais que qualquer tipologia ou área de uma assoalhada, mas que seja para as nossas vidas o berço de todos os desejos conjuntos, onde possam ser feitos os balanços dos caminhos percorridos e definidos os que ainda temos de percorrer, onde haja partilha de medos, receios, confidências e demais emoções.
No final, ambos vamos querer desfrutar da felicidade alcançada por intermédio dos sonhos concretizados, rir dos que ficaram por realizar, perceber quais foram ousados, mas sobretudo vestir a sensação do ter valido a pena. Nunca te vi ou tive na vida como um "enviado do destino". No amor, acreditar no destino, ė reconhecer que não houve alternativa, e se não houve alternativa, então não é amor. Tu foste a escolha, o tal; Aquele por quem me perdi e encontrei, aquele a quem confiei a transformação do meu corpo, aquele por que quem jurei fidelidade e amor eterno. Não te reconheci pelo olhar mas apaixonei-me por ele, e muito embora os dias cinzentos também façam parte dos nossos dias, certo é que também os há verdes, amarelos, vermelhos, azuis e rosa.
Um dia sonhei casar contigo, e mesmo sem saber, o meu coração esperou por ser, aquilo que é por estar contigo.
De criança mantenho a preferência pelo cor-de-rosa, tu gostas de pizza, carros e ler o jornal ao sábado de manhã numa esplanada. Fazemos das diferenças uma experiência para a vida, na qual alimentamos o amor de afinidades.
Não somos perfeitos, mas fazes-me bem.