quinta-feira, 8 de maio de 2014

O monólogo de Maria Teresa

 
Não há volta a dar, agora já está. Porra, porra, mil vezes porra! Não consigo. Levaram uma vida inteira a dizer-me que a felicidade dependia de mim, que tinha de me valorizar, que tinha de sair debaixo das saias da mãe. Estou farta de ser a menina perfeita. Ou melhor, de fazer de menina perfeita. Não sou, nem quero ser. Pronto! A partir de hoje vão conhecer a verdadeira Maria Teresa. E quando ele me vier com aquela conversa fiada que agora não é a altura certa, vou dar-lhe para trás. Mas pensa que sou burra? É, é isso, a burrinha apaixonada que não vai dar o desgosto à maninha. À maninha, ao pai, à mãe e à família perfeita. São todos perfeitos, tão perfeitos que o meu pai andou enrolado anos com a empregada lá de casa, e aquele filho enviado à pressa para a casa da prima em Trás-os-Montes, que sempre achei um mistério. Mas não se pode dizer, não se pode perguntar. Temos de viver felizes, mesmo sem o ser. Mas isso não importa, porque os vizinhos não sabem. Porque se soubessem, ai se soubessem. O nosso apelido em vez de “Souza Coutinho” devia ser “Socialmente Correto”. Mãe, qualquer dia digo-te o quão ridícula ficas nesse papel. O quão ridículo são todos. Eu não, esse filme já não é o meu, e quero lá saber o que vão dizer e pensar esses vossos amigos da sociedade da treta. Hoje vou marcar a mudança. As mudanças radicais têm de ser registadas, assim do tipo carta registada, só que sem aviso de recepção. Porra, porra, mil vezes porra! Está quase a nossa vez. A sorte é que ele vem comigo. Reparei que é giro e esta respiração no meu ouvido está a pôr-me louca. Se chegarmos lá abaixo vivos, talvez ganhe coragem para o convidar para um café. Talvez ganhe? Maria Teresa, lá estás tu armada em burrinha socialmente correta. Quando chegarmos lá abaixo convido-o para um café. Para já deixa-me aproveitar o facto de ter o seu corpo preso ao meu. Não há volta a dar, agora já está!
 
 


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